quarta-feira, 26 de agosto de 2009

VOTAR OU NÃO VOTAR. EIS A QUESTÃO...

Não reeleja ninguém” é uma campanha burra e alienada, por Idelber Avelar
O professor Idelber Avelar, da Tulane University, em New Orleans, que mantém um dos blogs mais interessantes e acessados da web brasileira, O Biscoito Fino e a Massa, escreveu hoje dura críticas à campanha

“Não reeleja ninguém” é uma campanha burra e alienada

Acho que não uso a palavra “alienação” desde minha época de militância trotskista. Mas não há outro termo para definir esssa irresponsável campanha disseminada na internet por Daniela Thomas e Marcelo Tas. É a alienação e o conformismo em sua típica versão Morumbi-Leblon: quero mudar tudo o que está aí, desde que eu não tenha que me dar ao trabalho de procurar informação ou tirar as pantufas. ''Não reeleja ninguém'' significa: Tire todos os 513 deputados de lá e coloque outros 513 que exercerão seus mandatos sem serem incomodados. Assim você poderá passar mais quatro anos vociferando indignação vazia e repetindo a cantilena de que todos os políticos são corruptos, enquanto fura mais uma filinha, sonega mais um imposto e joga mais uma embalagem de Doritos pela janela do seu Toyota Camry.

Fiz uma busca no Google. Há 6.650 ocorrências da sandice. A única coisa coerente que encontrei foi o texto de Marcelo Soares, Saiba por que a campanha “Não reeleja ninguém” é de uma burrice atroz. O resto é bateção de lata sem qualquer raciocício que vá além do quero acabar com todos esses políticos que estão aí.

Um jornalista esportivo adere à campanha. Logo depois, demonstra ter mais de dois neurônios lançando a pergunta: se não reelegermos ninguém, vamos eleger quem? Não consegue encontrar uma resposta para a pergunta que ele próprio formulou, mas mesmo assim mantém o selinho da campanha. É o retrato da pobreza política da nossa classe média.

Um profissional da área de Direito adere à campanha. Tampouco demonstra convicção, mas afirma que isso compensaria a decisão do STF que permitiu a candidatura de políticos com “ficha-suja”. O que se está chamando “ficha-suja” aqui não é a existência de sentenças condenatórias transitadas em julgado. É a existência de um processo em trâmite. Era só o que nos faltava: proibir a candidatura de quem está sendo processado. Se você quisesse eliminar a candidatura de alguém, bastaria inventar um motivo e processar o sujeito. Até que você perdesse o processo, a candidatura estaria impugnada. Como é possível que um profissional do Direito seja incapaz de fazer esse raciocínio?

Como afirmei no Twitter, a campanha “Não reeleja ninguém” é típica de quem não se lembra em quem votou. Minha Deputada Federal, Jô Moraes (PC do B), não está revolucionando a Câmara, mas está honrando seu mandato. Recebo semanalmente um informativo detalhado. Ela trabalha agora na emenda à Constituição 438/01, que expropria terras onde houver trabalho escravo. O escritório político de Jô em Belo Horizonte fica ali no Santo Agostinho, na Rua Araguari, 1685/05. Está em funcionamento permanente. Nunca deixo de ser atendido pela sua assessora de imprensa, Graça Gomes. Qual desses indignados sabe o que anda fazendo o seu Deputado? Qual desses indignados lembra-se sequer em quem votou?

Que tal, indignados, lançar a campanha ''Não reeleja nenhum membro da bancada ruralista''? Que tal ''Não reeleja donos de concessões de rádio e televisão''? Que tal, Daniela Thomas, uma campanha ''Não reeleja membros da bancada evangélica'', esse grupo em guerra permanente contra a saúde das mulheres? Ah, isso dá muito trabalho, né? Tem que pesquisar, ir atrás, essas coisas. É mais fácil vociferar contra tudo o que está aí.

A campanha “Não reeleja ninguém” ganhou bastante ímpeto com o colapso do gabeirismo. Despolitizado até a medula, o gabeirismo só tinha o discurso da “ética” -- entre aspas e em minúscula, claro, porque não há nada ali que tenha que muito que ver com esse ramo da Filosofia. Com a história das passagens aéreas, o que mais se encontra nas caixas de comentários do “Não reeleja ninguém” é gabeirista desiludido. Não lhes ocorre pensar que o problema não é Gabeira, nem Zé Dirceu, nem Delúbio, e sim um modelo de compreensão da política que a reduz completamente à cantilena moralizante.

Sim, é evidente que há muita coisa que se moralizar no Congresso. Discutir qual é a reforma política que nos possibilitaria ter partidos fortes e representativos, reduzindo assim o fisiologismo e as negociatas, são outros quinhentos. Para essa discussão, não contemos com as Danielas Thomas e Marcelos Tas. Eles não estão interessados nisso. Essa discussão dá muito trabalho e nela ninguém pode posar de vestal da pureza.

Publicado no blog O Biscoito Fino e a Massa

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