EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROMOTOR DE JUSTIÇA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS E DO PATRIMÔNIO PÚBLICO DE BELÉM/PA.SINDICATO DOS TRABALHADORES EM SAÚDE NO ESTADO DO PARÁ – SEÇÃO BELÉM, pessoa jurídica de direito privado, portador do CNPJ n.º 05.660.816/0001-65, com sede sito à Trav. Nina Ribeiro, n.º 237, bairro de São Brás, CEP 66070-470, Belém/Pa, neste ato representado por advogado, instrumento de mandato em anexo, vem perante Vossa Excelência propor REPRESENTAÇÃO contra a PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM pelos fatos a seguir deduzidos:
O Requerente é entidade sindical destinada à defesa e representação legal da categoria dos trabalhadores em Saúde do Estado do Pará, cuja base territorial engloba os funcionários em saúde vinculados à SESMA e à SESPA.
Em 2002, foi realizado concurso público para o provimento de vagas ao cargo de Agente de Bem Estar Social (sigla ABES), organizado sob as diretrizes do Edital n.° 01/2002. Nessa oportunidade, 616 (seiscentos e dezesseis) candidatos foram aprovados, conquistando o direito de exercer o referido cargo público, nos moldes da Constituição Federal de 1988.
Ocorre que uma relevante parcela dos aprovados para a carreira de Agente de Bem Estar Social foram, na realidade, encaminhados para executar atividades competentes a outro tipo de cargo público, qual seja, o de Agente de Combate às Endemias (sigla ACE).
Destarte, imperioso frisar que as atribuições inerentes ao cargo oferecido em concurso público não guarda qualquer pertinência à função de combate à Endemia.
A Lei ordinária n.° 7.507/1991, que dispõe sobre o plano de carreira do quadro de pessoal da Prefeitura Municipal de Belém, delimita a função do Agente de Bem Estar Social como sendo a atividade de execução sob supervisão de trabalhos relacionados com a assistência à saúde, remoção a condução de pacientes no hospital. Quanto às atribuições da categoria, a supracitada lei prescreve o seguinte:
“Atribuições
Administrar a alimentação do paciente, quando necessário; manter limpo o material de enfermagem; orientar quanto às práticas de higiene, saneamento e alimentação; coletar e registrar informações recebidas por pacientes e familiares; comunicar e notificar à unidade de referência a ocorrência de doenças transmissíveis; participar de campanha de vacinação; participar de trabalhos de levantamentos estatísticos sobre endemias e epidemias; fazer curativos simples; auxiliar na prestação de assistência de enfermagem; auxiliar na prestação de assistência odontológica; participar de programas educativos, orientando a comunidade sobre higiene bucal; preencher e anotar fichas clínicas; revelar e montar radiografias infra-orais; preparar o paciente para o atendimento; instrumentar o cirurgião e o técnico em higiene dental junto à cadeira operatória; promover isolamento do campo operatório; selecionar moldeiras; confeccionar modelos em gesso; aplicar métodos preventivos para controle da cárie dental; proceder a conservação e manutenção do equipamento odontológico; auxiliar na realização de laboratório e dispensa de medicamentos; prestar cuidados à gestante e parturientes; assistir ao parto normal e domiciliar; controlar a entrada e saída da ambulância no hospital; remover paciente para maca e conduzi-lo para os diversos setores do hospital; acompanhar o paciente a outros hospitais com a finalidade de prestar auxílio em sua remoção; executar atividades correlatas.”
Na prática, o Agente de Bem Estar Social executa atividades administrativas e assistenciais ao médico, normalmente realizando-as no interior de um hospital, sempre objetivando o funcionamento dos estabelecimentos hospitalares e, num caráter mais abrangente, contribuindo à questão de saúde no município.
Por sua vez, o trabalho de um Agente de Combate a Endemia ocorre em campo e se dá, basicamente, por meio de visitas a residências e outros lugares do município de Belém, no intuito de aplicar substâncias químicas que previnam ou erradiquem a incidência de insetos transmissores do vírus da dengue.
Uma rápida e detida leitura das funções retro destacadas é suficiente para constatar que a atuação em campo para o combate às endemias não está elencado dentre as atribuições do Agente de Bem Estar Social.
Na realidade, à época da realização do concurso público em questão, ainda não existia legislação pertinente à regulamentação dos Agentes de Combate à Endemia, razão pela qual o Município de Belém, equivocadamente, aproveitou relevante parcela dos aprovados no referido concurso para encaixá-los ao exercício de combate a dengue, muito embora tal atividade não guarde qualquer semelhança ou pertinência com a atuação de um ABES.
Não obstante o trabalho de um combatente da dengue ter como finalidade a questão da saúde pública, a execução de tal função diverge completamente do trabalho de um Agente de Bem Estar Social.
Vale lembrar, ainda, que a atividade de combate à dengue é realizada com o emprego de substâncias químicas e venenosas, manuseadas pelo próprio agente, necessitando de equipamento apropriado e um prévio curso para aprender a utilizar os venenos, o que, conforme já observado, é algo totalmente estranho às atribuições de um ABES.
Como se vê, as funções ora apresentadas são totalmente díspares entre si. Logo, resta evidente o desvio de função, bem como não há dúvidas quanto à negligência do município de Belém ao lotar os servidores em cargo incompatível com o proposto em concurso público.
Grosso modo, o município aproveitou servidores recém-aprovados para direcioná-los a trabalhos estranhos à competência do cargo de ABES, no intuito de resolver uma situação (combate à dengue) sem a devida regularidade, o que denota uma atitude ilegal da Prefeitura da capital, que poderia ter utilizado meios outros para recrutar ACEs dentro dos moldes legais.
A situação se agravou com o implemento da Lei n.° 11.350/2006, que passou, finalmente, a tratar da função de Agente de Combate às Endemias, exigindo, inclusive, a realização de concurso público para o provimento de cargos, senão vejamos:
Art. 1o As atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias, passam a reger-se pelo disposto nesta
Art. 4o O Agente de Combate às Endemias tem como atribuição o exercício de atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças e promoção da saúde, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor de cada ente federado
Art. 9o A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Parágrafo único. Caberá aos órgãos ou entes da administração direta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios certificar, em cada caso, a existência de anterior processo de seleção pública, para efeito da dispensa referida no parágrafo único do art. 2o da Emenda Constitucional n. 51, de 14 de fevereiro de 2006, considerando-se como tal aquele que tenha sido realizado com observância dos princípios referidos no caput.
A supracitada lei, em seu art. 12, dispõe que aqueles que já trabalhavam nesta função tinham a opção de continuar onde estavam, ou, querendo, voltar à função anterior (no caso, à função de Agente de Bem Estar Social):
Art. 12. Aos profissionais não-ocupantes de cargo efetivo em órgão ou entidade da administração pública federal que, em 14 de fevereiro de 2006, a qualquer título, se achavam no desempenho de atividades de combate a endemias no âmbito da FUNASA é assegurada a dispensa de se submeterem ao processo seletivo público a que se refere o § 4° do art. 198 da Constituição, desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de seleção pública efetuado pela FUNASA, ou por outra instituição, sob a efetiva supervisão da FUNASA e mediante a observância dos princípios a que se refere o caput do art. 9°.
§ 1°. Ato conjunto dos Ministros de Estado da Saúde e do Controle e da Transparência instituirá comissão com a finalidade de atestar a regularidade do processo seletivo para fins da dispensa prevista no caput.
§ 2°. A comissão será integrada por três representantes da Secretaria Federal de Controle Interno da Controladoria-Geral da União, um dos quais a presidirá, pelo Assessor Especial de Controle Interno do Ministério da Saúde e pelo Chefe da Auditoria Interna da FUNASA.
Ocorre que todos os Agentes de Bem Estar Social lotados como ACE, além de nunca terem exercido sua função originária e garantida em concurso, não foram procurados pela Prefeitura de Belém para regularizar sua situação como combatentes de endemia, uma vez que continuam recebendo remuneração de ABES, com o nome de tal cargo constando nas folhas de pagamento.
Logo, encontram-se eles em uma situação atípica, onde exercem função contrária ao que deveriam e, quando surgiu oportunidade para regularizar o que já estava sendo posto em prática, foram completamente ignorados, como se a ratificação da escolha fosse tácita.
Importante destacar que essa situação atinge centenas de pessoas. Além desta situação sui generis impedir o planejamento de um plano de carreira, posto que não há nada que formalize tais servidores como ACEs, a função de Agente de Combate à Endemia põe em risco a saúde dos mesmos.
Não obstante o fato de lidar com substâncias químicas e venenosas, estes indivíduos indevidamente lotados como combatentes da dengue não trabalham com o equipamento necessário à proteção da saúde.
In casu, os servidores públicos em questão possuem contato direto com os venenos, não havendo por parte da Prefeitura Municipal o zelo em disponibilizar equipamentos adequados e suficientes ao número de agentes que atuam em campo.
Não bastasse a periculosidade da função exercida, a situação se agrava pelo fato destes servidores sequer terem anuído com a função a eles atribuída, uma vez que o cargo público conquistado não possui qualquer atribuição pertinente à atuação em campo ou manuseio de substâncias nocivas à saúde.
Ademais, estão eles deixando de ganhar a remuneração que lhes é de direito, uma vez que o Agente de Bem Estar Social, laborando em hospitais, recebe abonos mais vultosos e, conseqüentemente, recebe valor líquido mais elevado que aquele destinado ao ACE, conforme se depreende dos contracheques em anexo, apresentados a título de comparação.
Ora, se todos foram aprovados no mesmo concurso e mediante as mesmas condições, nada mais justo que todos sejam tratados da mesma forma, sendo-lhes atribuídas funções equiparadas, com abonos cujos valores, ainda que diferentes, não sejam tão díspares quanto o observado nas folhas de pagamentos anexadas.
Vale ressaltar, também, que os servidores que atuam no combate à endemia não recebem a “indenização de campo” estabelecida pela Lei n°. 8216/1991, em seu art. 16, e ratificada pelo art. 13, §2° da Lei n.° 11.350/2006.
Na prática, o ABES recebe remuneração superior, caracterizando-se, com isso, uma verdadeira aberração e discordância aos preceitos constitucionais, que garantem a igualdade entre servidores públicos que foram aprovados em mesmo cargo, conforme se depreende do inciso XXXII do art. 7° da CF/88:
Art. 7°. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXXII – Proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.
[...]
Perceba, nobre Promotor de Justiça, que a remuneração conferida ao ABES está correta e de acordo com a disposição do concurso público realizado em 2002. O cerne do problema está, pois, naqueles que foram desviados da função de ABES e lotados na função de ACE.
Imprescindível destacar que a Lei 11.784/2008 passou a tratar dos cargos e empregos públicos em exercício da atividade de combate e controle de endemias, prevendo o seguinte:
Art. 53. Fica instituída, a partir de 1o de março de 2008, a Gratificação Especial de Atividade de Combate e Controle de Endemias - GECEN, devida aos ocupantes dos empregos públicos de Agentes de Combate às Endemias, no âmbito do Quadro Suplementar de Combate às Endemias, do Quadro de Pessoal da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, submetidos ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, conforme disposto na Lei no 11.350, de 5 de outubro de 2006.
Art. 54. Fica instituída, a partir de 1o de março de 2008, a Gratificação de Atividade de Combate e Controle de Endemias - GACEN, devida aos ocupantes dos cargos de Agente Auxiliar de Saúde Pública, Agente de Saúde Pública e Guarda de Endemias, do Quadro de Pessoal do Ministério da Saúde e do Quadro de Pessoal da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, regidos pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Art. 55. A Gecen e a Gacen serão devidas aos titulares dos empregos e cargos públicos de que tratam os arts. 53 e 54 desta Lei, que, em caráter permanente, realizarem atividades de combate e controle de endemias, em área urbana ou rural, inclusive em terras indígenas e de remanescentes quilombolas, áreas extrativistas e ribeirinhas.
§ 1o O valor da Gecen e da Gacen será de R$ 590,00 (quinhentos e noventa reais) mensais.
Observe, nobre Representante do Parquet, que existe legislação federal prevendo abonos específicos ao Agente de Combate à Endemia. Todavia, em face da situação irregular provocada pela Prefeitura Municipal desta Capital, milhares de ABES que atuam como ACE não recebem tais abonos.
No caso concreto, estes servidores, além de exercerem função contrária ao cargo efetivo, sequer recebem os abonos pertinentes ao trabalho laborado.
Como se vê, essas centenas de pessoas foram inseridas em um caso sui generis no âmbito do quadro de servidores públicos de saúde no Estado do Pará, vindo a sofrer prejuízos em razão do desvio de função.
Considerando-se todo o acima exposto, conclui-se que a irregularidade ora apresentada necessita ser corrigida em caráter de urgência, razão pela qual se recorre ao Ministério Público do Estado do Pará para que, mediante representação, venha defender os direitos deste vultoso grupo de indivíduos.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 129, inciso III, é cristalina ao estabelecer a competência do Parquet em promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses coletivos.
Entende-se por interesse coletivo aquele de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contraria por uma relação jurídica.
Na situação apresentada, o desvio da função atinge centenas de servidores, os quais foram devidamente aprovados em concurso público e erroneamente lotados em cargo estranho. Além disso, atinge, também, a integridade física destes trabalhadores, que são obrigados a suportar o manuseio de substâncias nocivas à saúde.
Há, também, elevado interesse público na situação ora em análise, uma vez que alcança questão de saúde pública, seja para os funcionários em desvio de função, que entram em contato com substâncias químicas e ambientes insalubres, seja pelo descaso com que é tratado o combatente de endemia, não se importando a Prefeitura municipal em adequar os Agentes de Bem Estar Social para, assim, realizar concurso público que selecione agentes nos moldes da lei.
Válido ressaltar que, enquanto perdurar a situação irregular destes servidores, não poderá o Município de Belém ofertar novo concurso público para o provimento de vagas de Agentes de Combate à Endemia.
Aliás, interessante salientar que, desde a época em que a lei n.° 11.350/06 entrou em vigor, já foram realizados concursos para provimento de cargo de ACE em diferentes municípios do Estado. Contudo, a Capital, aproveitando-se da situação irregular a qual ela mesma provocou, não demonstrou qualquer interesse em regularizar esta situação, seja para prover concurso ou para desfazer a irregularidade cometida.
Diante do exposto, tendo em vista a competência constitucional atribuída pelo art. 129, III da Carta Magna ao Ministério Público, bem como a capacidade processual da Requerente para representar interesses da categoria, requer se digne V. Exa. em receber a presente denúncia e tomar as providências que entender cabíveis ao caso.
São os termos em que
Pede Deferimento.
Belém/Pa, 09 de julho de 2009.
SINDSAÚDE SEÇÃO BELÉM
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